Havia vida na
palavra quando se podia ensinar; havia vida nas palavras quando as cordas
vocais melodiavam uma cantiga para os atos de escrever e de falar. Havia
existência na comunicação quando autor e leitor dialogavam, numa comum relação,
mediatizada pelo texto, buscando, através deste, a compreensão do tema, a
identificação do problema, a justificação para a defesa daquela tese, assentada
na coerente argumentação. Sendo assim, de um texto brotava, primeiramente, a
reflexão individual, e, por conseguinte, a discussão coletiva.
Havia vida na palavra
quando alguém falava e o outro se sujeitava a escutar; ainda que discordasse
daquelas presunçosas premissas, a refinada paciência e a cordial educação o
impeliam a ouvir e a tolerar. E, desta forma, todos se contagiavam, e por onde a
palavra excursionava, a vida surgia; graças a ela, havia vida na família; havia
vida nas escolas, nas igrejas, na sociedade civil.
Das escolas
peripatéticas às escolas retóricas medievais, seja andando ou estático, o
educando queria ouvir, assimilar, sugerir e debater, porquanto a palavra
vitalizava. Havia vida na Patrística e na Escolástica, pois havia reflexão
nos centros universitários secularizados e nos monastérios.
As correntes
antagônicas, racionalistas e empiristas, marxistas e liberais, capitalistas e
socialistas, eram também propulsoras de vida, porquanto entendiam que o
conhecimento nascia do conflito, a verdade, do paradoxo e do consenso, e a
ciência, da crise.
Não obstante, a
partir do século XVIII, emergiram as ditaduras e, em seguida, as falsas
democracias com pseudos discursos antropológicos enjaulando, estruturalmente, a
polimórfica liberdade. Reificada, passou a ser sinônimo de libertinagem. Se a
verdadeira liberdade, outrora, incitava quem se julgava encarcerado, nesta
deteriorada concepção, ela afugenta-se de seus pretensos defensores, ora
provocando-lhes divagação, ora fazendo-se passar por uma interrogação: Liberdade
? ...
Infelizmente, o atual
discurso das nações globalizadas é unilateral e monomórfico, tanto quanto as
hodiernas pedagogias, fragmentadas, tornando estéril tanto o poder da palavra
como o da crença que ela, anteriormente, ostentava. Hoje, a palavra está sendo
aviltada e sentenciada a pena capital, o silêncio: quem pode falar,
cala-se, face ao medo das represálias e retaliações; e quem pode, através dela,
intervir, prefere a inércia.
Neste novo contexto,
a humanidade retrocede e dizima o processo biopsicossocial que lhe garantia a
humanização. Voltamos aos grunhidos das cavernas e quando não somos mais
compreendidos, cajadadas, pedradas e fogo neles, pois na ausência da
comunicação reina a violência, o medo, a indiferença, a covardia. Sujeitos
à involução, a violência mundial revela a nossa condição de primata,
caracterizada pela intolerância e incompreensão, fazendo-nos consentir com a
notícia jornalística que a todos incrimina:
“Comunicamos o desaparecimento da senhora Palavra, às 0h01, do século
XXI; filha da Escrita e do Som, irmã e esposa do Alfabeto, deixa muitos
descendentes. A causa da morte é, segundo a perícia do Centro dos Seres
Supostamente Evoluídos (CSSE), homicídio qualificado, ocasionado pelo silêncio
e indiferença dos seus tantos usuários”.
Entretanto, ao
escrever uma linha, ao sussurrar uma oração, a palavra, vociferada ou
manuscrita, igual a Lázaro, ressuscita, graças ao poder cognoscente inato a
nossa humanidade, e, enfim, nos assemelharemos ao Nosso Eterno Criador, que
tudo fez e criou pela palavra.
BENEDITO LUCIANO
ANTUNES DE FRANÇA (BENÊ FRANÇA) – 44
anos.
Mestre em Filosofia.
Professor da Faculdade de Tecnologia de Americana (FATEC – Americana/SP) e
Professor Titular de Filosofia da EE João Franceschini, pela Secretaria
Estadual de Educação, em Sumaré/SP.
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Um comentário:
Parabéns Prof. Benê!
Lindo texto, uma bela reflexão.
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